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Interferência dos Dispositivos Celulares na Educação (parte 2).

"O uso excessivo de celulares e outras tecnologias nos transformou em seres humanos cada vez mais automatizados, incapazes de se desconectar e se concentrar em uma tarefa por muito tempo." (Han, 2017)


Tensões entre a Educação e a Quarta Revolução Industrial.


Mas afinal, o que os professores e alunos estão enfrentando na contemporaneidade e o que realmente estamos construindo socialmente para a o futuro da espécie humana?

Há uma grande euforia em torno das inovações tecnológicas aplicadas à Educação, porem devemos atentar para que essa fascinação não tire o foco do que realmente importa para a Escola: desenvolvimento integral, acolhimento da neurodiversidade, formação crítica, psicoeducação e a saúde do estudante.

O fomento pelo Ensino à Distância, empreendedorismo digital em educação e a explosão do Mercado Digital de Educação, inundou o ambiente escolar de plataformas, licenças para aplicativos educacionais e uso abusivo de dispositivos móveis pode acabar gerando efeitos colaterais indesejáveis para a sociedade.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Brasil, 2022), o ensino a distância cresceu 474% em uma década. Foi divulgado pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb) um estudo que confere um incremento de 23% de ‘Startups’ de Educação (edtechs) em 2019. Além disso, os poderes Legislativo e Executivo não estão conseguindo acompanhar as consequências indiscriminado de tecnologia na Escola, visto a Resolução SEDUC 30 (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 2022), que autoriza a utilização de serviço móvel celular pelos alunos da rede pública estadual em São Paulo.

O uso excessivo de dispositivos móveis e plataformas digitais podem gerar dependência tecnológica, desigualdade digital, despersonalização do ensino, riscos à privacidade e segurança (Council on Communications and Media, 2016). Mas o que realmente está acontecendo socialmente para que tenhamos que apurar nossa atenção para a Revolução Tecnológica que estamos vivendo? E que isso poderia ajudar na Educação? O professor titular do Departamento de História da Universidade Hebraica de Jerusalém Yuval Noah Harari (da Silva, 2019), afirma que estamos vivendo em uma era em que a tecnologia transforma a humanidade a partir de grandes avanços, mas também grandes preocupações éticas e sociais. Já o historiador Niall Ferguson (2021) prevê grandes desafios globais como a intensificação da desigualdade.

O filósofo sul-coreano Byung Chul Han, em uma série de ensaios sobre a contemporaneidade, adverte sobre a intensificação de um estilo de vida apressado e desatento para as necessidades sociais e as práticas lúdicas culturais. Os adultos do Século XXI, imbuídos por demandas obsessivas de consumo, educação e produção, não estão se permitindo o silêncio, nem a reflexão. Para Han, criamos uma sociedade exausta e obcecada pelo desempenho (Han, 2015) aonde acontece o desaparecimento dos rituais (Han, 2021) que estabelece um retrocesso na capacidade coletiva de dar sentido ao cotidiano. Nesse processo caminhamos para a perda do sentido de comunidade que sobretudo culminaria na exacerbação da individualidade (Han, 2017). Com a perda substancial dos espaços para as rodas de conversa e trocas de narrativa, segundo Han, estaríamos desaprendendo os caminhos da consolidação de memória afetiva de grupo.

O século XXI parece ter potencializado a percepção de aceleração da velocidade dos acontecimentos. Mudanças rápidas, obsolescências devastadoras e tecnologias imprevisíveis. A "modernidade líquida" é marcada por esse sentimento de incerteza, insegurança e falta de continuidade, que vem tornando, ainda mais difícil, a adaptação num mundo que se transforma numa constante mudança (Bauman, 2000).

A virtualização das relações sociais, instabilidade social, a falta de referências de valores e o desmantelamento das instituições vem transportando as sociedades urbanas para uma nova realidade, a “Modernidade Vaporosa”. Que seria uma aceleração, ainda maior, marcada por mudanças tecnológicas e a digitalização da sociedade que alteraram profundamente os relacionamentos e a comunicação interpessoal. Para autores como Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, estamos sofrendo ainda com a dissolução do sujeito tradicional que se fragmenta em uma multiplicidade de identidades fluídas (Lipovetsky;Serroy, 2015). Franco Berardi, outro autor, vê as transformações século XXI como um gatilho para um estado de "depressão pós-futurista", em que a noção de progresso e de futuro desaparecem dentro de uma sociedade caminhando para distopia, "apática, anestesiada e desorientada" (Berardi, 2011).

Byung Chul Han aponta ainda para uma nova forma de controle social chamada ‘Psicopolítica do Poder’ que se aproveita da hiperconexão, velocidade dos acontecimentos, engajamento, compulsividade, gamificação, perda do silêncio para reflexão e uma ‘ditadura das emoções’ forjada por algoritmos de rede que manipulam os usuários de rede direcionando-os ao consumo por intermédio da captura do desejo do sujeito (Han, 2014). Segundo Han, a sociedade atual passa por uma mudança na forma do exercício do poder, enquanto que na Modernidade a Sociedade Disciplinar (Foucault, 1987) exercia o poder por meio da imposição de limites, vigilância e repressão, na Sociedade do Desempenho (Han, 2015), contemporânea, o poder é exercido por meio da produção de um excesso de positividade e estímulo, que vai levando o sujeito a tornar-se compulsivamente autoexigente e consumista. Nessa lógica, o desejo é capturado pela maquinaria das mídias sociais e os navegadores, através de seus algorítimos, alimentam com dados enriquecidos os sistemas associados à Psicopolítica do Poder. Então, de uma forma mariavélica, conduzem, manipulam e direcionam os usuários para fins específicos. A ideia de liberdade individual também é questionada por Han, que nesse contexto, entende o sujeito como prisioneiro de sua própria vontade ao encontra-se obcecado por fazer, viver, sentir, ser, ter e agir formado por um ciclo infinito de quereres. É importante destacar que a hiperconexão possui um papel importante nesse cenário e está associada ao amplo acesso aos dispositivos celulares, smartphones e a internet.

Hiperconexão tem implicações profundas em diversos aspectos da vida contemporânea, incluindo alterações nas comunicações pessoais, nas relações de trabalho, relacionamento, consumo de informações, engajamento em atividades sociais e políticas. O que proporciona maior acesso e alcance para estratégias de marketing e manipulação política.

O Século XXI ainda conta com um grande apelo futurista e um considerável potencial de impacto que vem sendo provocado pela Indústria 4.0 na Quarta Revolução Industrial (Schwab, 2019) que causa fascínio aos pais, alunos e educadores, portanto não seria absurdo inferir que o momento possa fomentar iniciativas e empreendedores para a utilização dessa hiperconexão em colaboração com a pedagogia. Algumas escolas particulares de Educação Básica já se associaram a parceiros e desenvolvedores de plataformas educativas cujo conteúdo permanece em servidores remotos que armazenam os dados das disciplinas e são acessados pela internet. Consequentemente, o acesso por meio digital aprisiona os alunos nos dispositivos eletrônicos, aumentando o tempo de permanência de conexão dos jovens nos ‘tablets’, ‘notebooks’ e celulares.

"A sociedade atual nos força a estar sempre conectados e disponíveis, criando uma cultura de hiperconexão que nos impede de nos desconectar e refletir." (Han, 2017)

Considerando que as vivências sensoriais são estruturantes para o cérebro e garantem a base para o pleno desenvolvimento para todo ser vivo, precisamos atentar para o fato de que a imersão em realidades virtuais, o aumento progressivo do ‘tempo de tela’ e a adição aos dispositivos celulares pode estar diminuindo a quantidade e qualidade das vivências sensoriais mais profundas que são essenciais para o pleno desenvolvimento do cérebro.

Agora o alcance desse problema, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2018, estimou que 68% da pessoas viverão em área urbanas até 2050. As crianças aprisionadas ao ambiente urbano, naturalmente terão menos acesso à natureza e mais acesso às tecnologias. A realidade passa a ser controlada por algorítimos de rede, “Big Data”, Metaverso, Aprendizagem Profunda de Redes Neurais, Internet das Coisas (IoT), Realidade Virtual, Hiperconexão, monitoramento urbano, biometria, biossensores e Inteligência Artificial. A vida se remodela a partir da viabilização de uma ampla rede de acesso à internet através da telefonia celular e da fibra ótica. Segundo a Global System for Mobile Communications Association, a quantidade de conexões móveis no mundo chegará a 9,1 bilhões em 2030, incluindo tanto celulares quanto dispositivos IoT (GSMA, 2021). Boa parte da população jovem vem recebendo uma estimulação cerebral predominantemente cognitiva em detrimento da estimulação sensorial, fato este que se agrava nas áreas urbanas por causa do acesso à tecnologia. De acordo com o relatório Digital 2021 publicado pelas empresas We Are Social e Hootsuite, a população mundial que possui acesso à internet e telefone celular é de respectivamente de 4,66 e 5,22 bilhões de pessoas, o que representa cerca de 59,5% e 66.6% da população global (Kemp, 2021).

Pensando no mais temidos dos componentes da Revolução Tecnológica, a Inteligência Artificial, em 2019, houve o Consenso de Beijing (Unesco,2019). Então foi estabelecido, entre outras coisas, que a utilização de inteligência artificial aplicada na Educação estaria condicionada à condição de implementação de instrumento de mensuração para prever possíveis impactos. Dois antes, o governo chines, divulgou que realizaria um Projeto Piloto para orientar as carreiras dos seus alunos com base em analises de Inteligência Artificial e dados de Big Data que incluiriam rendimento escolar, aptidões, comportamento e talentos. O objetivo desse projeto fez parte de um plano maior para reforma do sistema de educação do país, que incluiu medidas para promover a igualdade de oportunidades educacionais e reduzir a carga de trabalho dos estudantes. Em 2022, durante o Fórum Internacional sobre Inteligência Artificial e Educação na China, foi traçado um plano para o desenvolvimento educacional na era da IA. A pergunta que fica é: Teremos capacidade de assumir os possíveis impactos desse movimento que cada vez submeta mais os jovens ao ambiente virtual e a interfaces eletrônicas?

A Quarta Revolução Industrial além de trazer questões éticas relacionadas ao marketing e o uso malicioso de dados e manipulações do sujeito para fins comerciais com base nos dados de navegação de rede e hábitos nas mídias sociais, traz ainda questões éticas relacionadas à espionagem e o papel do Estado na formação e desenvolvimento acadêmico dos seus cidadãos.



Referências.

BRASIL, Ensino a distância cresce 474% em uma década, Publicado em 04/11/2022, Colaboradores: Assessoria de Comunicação Social do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2022. Disponível em:https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-da-educacao-superior/ensino-a-distancia-cresce-474-em-uma-decada Acessado: 30/04/2023

COUNCIL ON COMMUNICATIONS AND MEDIA. Uso de mídia em crianças e adolescentes em idade escolar. Pediatrics, v. 138, n. 5, p. e20162592, 2016. DOI: 10.1542/peds.2016-2592. PMID: 27940794.

Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27940794/ Acessado: 30/04/2023

DA SILVA, Emerson. RESENHA DO LIVRO: HOMO DEUS: UMA BREVE HISTÓRIA DO AMANHÃ. PARALELLUS Revista de Estudos de Religião-UNICAP, v. 10, n. 25, p. 475-481, 2019. Disponivel em: https://www1.unicap.br/ojs/index.php/paralellus/article/view/1609 , Acessado: 30/04/2023

FERGUSON, Niall. A ascensão do dinheiro: a história financeira do mundo. Planeta Estratégia, 2021. Disponí el em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=sEATEAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT5&dq=FERGUSON,+Niall.+desigualdade&ots=83dxokbogr&sig=Jiqk91Gsfn5mP4H8K_qGrCq-QeY , Acessado: 30/04/2023

GSMA Intelligence. The Mobile Economy 2021. Disponível em: https://www.gsmaintelligence.com/research/the-mobile-economy/ . Acesso em: 11 mar. 2023.

HAN, B. C. The scent of time: a philosophical essay on the art of lingering. John Wiley & Sons, 2017.. Disponível em:

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Herder Editorial, 2014

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=gAOIDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT2&dq=HAN,+Byung-Chul&ots=-h0BceU2St&sig=13mmhg780Mixr45tBN-KwzdtO60 Acessado: 30/04/2023

HAN, Byung-Chul, Sociedade paliativa: a dor hoje, Editora Vozes, Ed.1, 2021 , Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=q0w5EAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT19&dq=HAN,+Byung-Chul&ots=9Fz04GtCfy&sig=U0OVLswGOK5YGrSjrKH0tmQwJVo Acessado: 30/04/2023

HAN, Byung-Chul, O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente; Ed. Vozes. 2021 , Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=kqZJEAAAQBAJ&oi=fnd&dq=HAN,+Byung-Chul&ots=Kfxdxzyf5d&sig=hALlStQ5MneClTL3y2jzyMDnHws Acessado: 30/04/2023

HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Rio de Janeiro: Vozes, 2015. Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=IYWZCgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT73&dq=HAN,+Byung-Chul&ots=aNCTpnjw9E&sig=1N9wa_tBDIrhHCEu0ZzskSywXcM Acessado: 30/04/2023

KEMP, Simon. Digital 2021: Global Overview Report. We Are Social & Hootsuite, 2021. Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2021-global-overview-report . Acesso em: 23 abr. 2023.

UNESCO. Conferência Internacional sobre Inteligência Artificial e Educação, Planejando a Educação na Era da IA: Lidere o Salto, Pequim, i.32, p.10, 2019. Programa e documento da reunião. Português. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000372249 Acessado: 30/04/2023

XINHUA NEWS AGENCY. China to pilot AI-based student assessment. 24 de fevereiro de 2021. Disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2021-02/24/c_139767426.htm . Acesso em: 13 mar. 2023.

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